NOVA YORK - Esta é uma história de amor. Tudo começou numa noite quente de verão em Santa Barbara, Califórnia, quando Tamara Langman ajudou a matar um demônio de olhos amarelados conhecido como Prince Malchezaar. Ela estava logada em "World of Warcraft", o jogo multiplayer de fantasia, e seu avatar - Arixi Fizzlebolt, gnomo com seios fartos e três tranças alouradas - também conseguiu despertar o interesse de John Bentley, mais conhecido pelo nome Weulfgar McDoal.
Uma nota para os não iniciados: "World of Warcraft" é um jogo on-line de enorme sucesso em que os monstros devem ser aniquilados, mas também funciona como uma rede social. Quando os jogadores não estão lutando contra criaturas malignas, seus avatares estão explorando paisagens fantásticas (matas verdejantes, florestas cobertas por neve, praias ofuscadas pela neblina etc.), onde podem se encontrar e conversar por meio do recurso de mensagem instantânea ou do software de comunicação por voz que o game oferece. Quem diria que uma assinatura de "World of Warcraft" poderia juntar mais casais do que o site de namoros Match.com?
E, dessa forma, Tamara e John acharam um lugar tranqüilo onde seus avatares pudessem se sentar. As horas evaporaram enquanto eles discutiam tudo, desde suas famílias até seus planos para o futuro. Pouco antes do amanhecer, Tamara percebeu que, além de estar no mundo fictício de Azeroth, ela também estava em meio a um encontro.
Durante os dois meses seguintes, Tamara, de 27 anos, e John, de 24, encontraram-se em Azeroth. Até que, um dia, os dois decidiram trocar os servidores de "World of Warcraft" por algum lugar real em Santa Barbara. Quando John pôs os pés na pista do aeroporto da cidade, em uma tarde radiante em outubro de 2008, Tamara correu na direção dele, no que John pegou-a em seus braços.
Ele havia planejado ficar por umas duas semanas antes de voltar para Atlanta. Mas essas duas semanas viraram dois anos, e John e Tamara permanecem juntos.
Quem diria que uma assinatura de "World of Warcraft" poderia juntar mais casais do que o site de namoros Match.com?
John e Tamara são um entre vários casais que encontraram o amor por meio dos seus avatares. Fóruns sobre games estão repletos de histórias de jogadores que namoram e casam. Alguns casaram até mesmo seus avatares. (Há vídeos dessas cerimônias virtuais no YouTube.)
E, embora isso possa soar como romance de ficção científica, os casais estão cada vez mais propensos a se conhecerem como John e Tamara, já que o gênero MMORPG - RPGs on-line e multiplayer como "World of Warcraft" - continua a crescer. Com mais de 12 milhões de assinantes, "World of Warcraft" é um dos jogos mais populares desse tipo no mundo ("EverQuest", "Aion" e "Guild Wars" também fazem muito sucesso). Essa quantidade enorme de jogadores é um celeiro considerável de futuros casais. A título de comparação, o Match.com tem menos de 2 milhões de assinantes.
- Jogos desse tipo dão Ã*s pessoas algo que está faltando no mundo real - disse Ramona Pringle, produtora de mídia interativa e professora de novas mídias na escola Ryerson de Artes da Imagem, em Toronto. - Trata-se de uma experiência primitiva. É uma questão de sobrevivência. É sobre a necessidade de ter alguém. Eu tenho que admitir, meu coração disparou! E isso apesar de a gente nunca ter se encontrado pessoalmente, disse a pesquisadora
Pringle, de 29 anos, percebeu pela primeira vez a relação entre games e amor quando trabalhava como produtora de interatividade para o projeto "Digital Nation" do programa "Frontline",da PBS. Na BlizzCon 2009, convenção de jogos que acontece na Califórnia, Pringle ficou impressionada com o grande número de casais viciados em games de mãos dadas e empurrando carrinhos de bebê.
Então ela pensou em seus amigos, que, apesar de serem profissionais bem sucedidos, ainda lutam para encontrar o par perfeito. Ela mesma - uma bela mulher esguia de olhos verdes - acabara de terminar com o namorado.
- O que está acontecendo para que essas pessoas que consideramos socialmente marginalizadas, os viciados em games, estarem descobrindo o amor? - disse ela, bebericando uma cerveja num bar em Austin, Texas, durante a conferência South by Southwest Interactive do mês passado.
Pesquisadora se viu atraída por avatar de colega de jogoEla queria saber o que os jogos podem lhe ensinar sobre o amor. Então, em vez de tentar curar seu coração na religião ou na terapia, Pringle voltou-se para "World of Warcraft".
Mais de 40% dos jogadores são mulheres, e mulheres adultas são um dos grupos que mais cresce na indústria de jogos eletrônicos, representando 33% dos gamers - parcela maior que a dos homens com 17 anos ou menos, que são 20% do total, de acordo com a Entertainment Software Association.
Para ajudá-la a desbravar "World of Warcraft", Pringle recrutou como guia Brent George, diretor de animação de "Avatar: The Game", jogo baseado no filme de James Cameron. Os dois começaram a jogar no verão passado - ela em Toronto, ele em Montreal - cerca de seis horas por noite.
Pringle caiu no buraco do coelho: viu-se direcionando seu avatar - Tristanova, uma graciosa elfa-sacerdote noturna e de pele azul - com a urgência dos amantes rumo ao avatar de George, Caethis, um guerreiro.
- Para mim é impressionante que a gente possa ter uma queda pelo avatar de alguém - disse Pringle.
Mas ela teve. Os dois nunca estiveram envolvidos romanticamente, até que George disse a ela, no jogo, que seria seu "cavaleiro de armadura brilhante".
- Eu tenho que admitir, meu coração disparou! E isso apesar de a gente nunca ter se encontrado pessoalmente - disse ela.
Os jogos multiplayer incentivam esse tipo de aliança. O guia para iniciantes em "World of Warcraft" diz que não é proibido seguir sozinho no jogo, mas adverte: "sozinho, você não será capaz de dominar alguns dos desafios mais difíceis do jogo, provavelmente demorará mais a chegar ao fim e não terá acesso aos mais poderosas tesouros mágicos" que o game oferece.
Pringle acredita que a situação é análoga ao amor.
- Nossa sociedade é construída em cima da auto-suficiência e da independência, embora isso não seja sustentável - disse ela. - Você precisa de alguém com habilidades complementares Ã*s suas para sobreviver.
Tome o exemplo de Hannah Romero, de Vancouver. Quando seu avatar, Cosomina, conheceu um avatar chamado Dreadmex (ele é americano, mas tem origens mexicanas), ela não se impressionou. Afinal, ele a cumprimentou com algo como "E aí, cara?". No jogo, mesmo que as pessoas estejam a 2 mil quilômetros de distância, elas se sentam e seguram as mãos. Mesmo que não seja real, a emoção é.
Mas depois, quando seus avatares estiveram em um mesmo grupo, os dois puderam ter conversas mais profundas que essa. Hannah disse que tudo começou com um papo inocente como aqueles de elevador. Mas com o tempo, Cosomina foi ficando caidinha por Dreadmex. Tornaram-se inseparáveis, passando horas descansando ao lado das cachoeiras e passeando pelos parques de "World of Warcraft".
Mas por que, afinal, essas pessoas conversam por meio de avatares? Por que simplesmente não usam o telefone? Ou Skype?
- Quando você fala ao telefone, você pode dizer todas essas coisas, mas falta materialidade - afirmou Hannah, diretora de serviços alimentares de uma empresa de jogos. - E no jogo, mesmo que as pessoas estejam a 2 mil quilômetros de distância, elas se sentam e seguram as mãos. Mesmo que não seja real, a emoção é.
Falando em emoções, a primeira vez em que Hannah contou a Dreadmex que o amava, ela disse no jogo e rapidamente desconectou-se.
- Em "World of Warcraft" você pode dizer "eu te amo" e depois fugir - disse ela. - Esse momento, "Será que devo contar pra ele que o amo?", é um grande desafio, certo? Então, ser capaz de dizer isso e depois desaparecer é ótimo!
Outros jogadores ecoam esse sentimento, dizendo que escrever o que sentem é mais fácil do que dizer em voz alta. Isso pode levar a conversas mais honestas e reduzir os mal-entendidos. É por isso que muitos jogadores acreditam conhecer melhor e mais rapidamente seus colegas de game do que, digamos, pessoas que se encontram pessoalmente.
'Nós não vivemos em um jogo, vivemos uma vida real. Os pratos sujos continuam nos esperando na pia'Finalmente, a mulher por trás de Cosomina voou para Los Angeles a fim de conhecer Pete Romero, o sujeito que controla Dreadmex. Como muitas pessoas que se apaixonam pela internet, por um segundo ela entrou em pânico:
- Uma voz na minha cabeça dizia: "Você está louca?
Mas não havia motivo para preocupação. O casal passou o fim de semana comendo, ouvindo discos de vinil e caminhando pela praia. Um ano depois, em 27 de março de 2010, eles se casaram.
Mesmo que essas histórias pareçam contos de fadas, os jogadores insistem que não é.
- Eu amo muito meu marido - disse Hannah, acrescentando que, apesar de sua história de amor ter começado em um mundo de fantasia, ela é uma mãe, uma profissional dedicada e "obviamente, não é louca". - A realidade é que não há nada de mágico nisso. Nós não vivemos em um jogo, vivemos uma vida real. Os pratos sujos continuam nos esperando na pia.
Encontros virtuais eliminam algumas das razões para que as pessoas evitem procurar companheiros, seja o medo de um primeiro encontro estranho ou a coincidência com um dia ruim.
Mas psicólogos e sociólogos dizem que é mais que isso. Segundo eles, há conexão direta entre os jogadores e os avatares que escolhem.
- Os gamers costumam dizer que seus avatar são instintivamente parecido com eles próprios - disse Ramona Pringle, que criou um guia de personalidade para avatares de "World of Warcraft" com base em entrevistas com jogadores, estudos de arquétipos e no modelo de classificação tipológica de Myers-Briggs. Ela também já criou um piloto de TV sobre a linha tênue que separa os mundos real e virtual.
Quanto Ã* John e Tamara, os dois vivem no Mississippi - embora, no momento, Tamara esteja em St. Louis viajando com a peça da qual é figurinista. John trabalha em um cassino, um emprego conseguido por meio de um colega de "World of Warcraft".
- Há algo de mágico em se apaixonar por alguém apenas escrevendo e esperando uma resposta - disse Tamara, por quem, uma vez, John invadiu um castelo, no jogo, é claro. - Isso evoca os romances antigos, em que cartas de amor escritas Ã* mão eram entregues a cavalo. Um mundo esquecido parecido com o que "World of Warcraft" tenta recriar virtualmente.
Esse é o mundo de Arixi e Weulfgar. E caso você esteja se perguntando se, entre assistir a DVDs e lavar a roupa, o casal ainda caça monstros em Azeroth, a resposta é sim.
- Ontem Ã* noite, mesmo, tivemos uma batalha - disse Tamara.
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Thanajura ♥
Casais se conhecem, se apaixonam e casam por meio de 'World of Warcraft'
)
